sexta-feira, 24 de abril de 2015

A ascensão da mídia evangélica – uma (mútua) interferência política, econômica e tecnológica.
Heinrich Araújo FONTELE 


Resumo
O presente artigo tem por objetivo discutir a presença marcante da mídia evangélica
televisiva, analisando-se a trajetória dos programas pioneiros até o boom atual. Neste
percurso histórico apresentamos as estratégias assinaladas por estes grupos religiosos,
cujas ações gravitam em torno de uma Indústria Cultural que se firmava paralelamente à
constituição de alguns destes grupos midiáticos evangélicos. Nos valeremos das
reflexões de Renato Ortiz, acerca do projeto de modernização do nosso país, e de
Alexandre Brasil, sobre as dimensões políticas desse processo, já que ambos projetam
olhares reveladores sobre tal questão. Esta é uma parte da história que precisa ser lida,
compreendida e analisada, pois a presença marcante deste fenômeno é resultado de
algumas transformações que se entrelaçaram: o domínio da técnica, a racionalidade
econômica e o uso do poder político.
Palavras-chaves: Indústria cultural. Mídia. Religião.Televangelistas.
1. Introdução
O presente artigo1 tem por objetivo discutir como se deu a ascensão das
programações religiosas, principalmente as de cunho evangélico, na TV brasileira.
Nos últimos 20 anos, chama a atenção a expansão e o crescimento de
programas das Igrejas evangélicas2 na esfera da mídia televisiva, o que se dá não só
pela compra de espaços em canais abertos, mas também pela aquisição de
concessões de canais próprios de TV.
1 O artigo é um desdobramento da pesquisa de Mestrado em Comunicação de FONTELES, H. A. Programa show da
fé: um retrato da construção midiática da imagem religiosa evangélica.UNIP. São Paulo, 2007.
2 Para entender sobre a diferença de igrejas pentecostais e noepentecostais Indicamos a leitura de Fonteles, H. A.
Programa show da fé: um retrato da construção midiática da imagem religiosa evangélica.UNIP. São
Paulo, 2007.
1
Acreditamos que este crescimento e maior exposição das programações
religiosas na TV3 e tornaram possíveis, e mais evidentes nas últimas duas décadas do
século 20, com o fim do período da ditadura militar, seguido do processo de
redemocratização do país. As mudanças advindas deste período influenciaram
diretamente na expansão e na visibilidade da fé evangélica na televisão, uma vez que
este grupo social pôde inserir-se politicamente no contexto social mais visível e
reconhecido, facilitado pela aquisição de concessão de rádio e TV por parte de seus
representantes no Congresso Nacional4, além da compra de horários na mídia
televisa.
Outro indicador que beneficiou diretamente este contexto foi a forma de operação
do sistema de concessão de Rádio e TV no País, uma atribuição exclusiva da Presidência
da República, a qual se utilizava dos critérios de “amizade” para conceder e distribuir
canais de TV e Rádio.
Este contexto político caminhou junto com o fator econômico e tecnológico,
favorecendo o desenvolvimento da mídia como um todo. A abertura do país à
importação de produtos e o uso de tecnologias facilitaram o acesso e o
desenvolvimento do consumo, que foi fortemente impulsionado pela força e
crescente interatividade dos meios de comunicação.
Este cenário (político, econômico e tecnológico) facilitou e desenvolveu a indústria
cultural no país, principalmente na década de 60 e 70, construindo um cenário que
permitiu que esta estrutura cultural se viabilizasse durante e após a ditadura militar.
Neste quadro tão propício à expansão de idéias, a religião encontra um novo
ambiente para a propagação de seus pensamentos e princípios, o espaço midiático,
oferecendo a todos uma oportunidade de encontro com uma realidade mítica no
conforto dos lares domésticos, ou seja, através do tele-evangelismo.
A partir das reflexões de Ortiz (2001) e Fonseca (2003), observamos que estes
produtos televisivos, elaborados pela mídia evangélica, entram em conformidade
ideológica com a indústria do entretenimento configurada pelo regime militar, que
3 Há 05 canais de TV evangélicos, 05 canais católicos, dados de 1999. Há 271 rádios evangélicas, 180 rádios
católicas. Dados para o ano de 1999. 80% da programação religiosa na TV brasileira é evangélica. Em 2001 havia a
exibição de 90hs/semana de programas religiosos (fonte: Alexandre Brasil Fonseca, em Evangélicos e Mídia no
Brasil; Associação Brasileira de Editores Cristãos (ABEC), Associação Brasileira de Instituições Educacionais
Evangélicas (ABIEE), Fundação Perseu Abramo e Site Louvornet.com).
4 No Congresso Nacional há uma agremiação chamada FPE – Frente Parlamentar Evangélica, formada por deputados
e senadores eleitos de diversas igrejas. Nesta última eleição o número de integrantes diminuiu.
2
impunha uma programação, qualquer que fosse, de forma alienante, de fácil
assimilação e que ecoasse as regras e condutas desejadas pelo sistema político.
Dentre tais moldes, a programação evangélica ou religiosa seria bem-vinda, pois
suas mensagens de moralismo, civismo e espiritualidade respeitavam a cartilha
ideológica em voga e não causaria perigos ao sistema.
2. Os pioneiros na TV
Segundo Fonseca (2003), o nascedouro da mídia evangélica se deu de forma
paralela à própria história da TV brasileira. Tal idéia está bem apresentada por Ortiz5
em seus estudos sobre a evolução da sociedade brasileira e dos meios de
comunicação. Pelas análises deste autor, é interessante notar que, mesmo precária e
muitas vezes improvisadamente, a mídia que se formava fez parte do processo de
modernização do capitalismo e da indústria cultural brasileira, e, assim como o
rádio, desenvolveu-se com o uso da publicidade. Esta idéia é compartilhada por
Fonseca, já que a televisão também se expandiu pela intermediação do
desenvolvimento da máquina publicitária que, ao lado de inovações tecnológicas -
como o uso do video tape - deram condições para que a TV se estabelecesse.
Neste sentido, era de se esperar que os primeiros programas evangélicos
apresentassem estas mesmas precariedades, próprias da época.
De acordo com Fonseca (2003), o primeiro programa evangélico na TV,
assim como no rádio, foi apresentado pela igreja dos adventistas em 1962, na cidade
do Rio de Janeiro. O programa se chamava Fé para hoje, apresentado pelo pastor
Alcides Campolongo.
Além deste programa, na tabela 1, abaixo, apresentamos os principais
programas exibidos no país a partir da década de 606. Estes são considerados os
pioneiros, mas, segundo Fonseca, dada a forma amadora e iniciante da TV brasileira,
outras propostas locais se fizeram presentes ao longo deste tempo em diversos
estados brasileiros.
PROGRAMA ANO TV IGREJA Apresentador/
5 Renato Ortiz, A moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2001.
6 Fonseca traça um minucioso mapa da participação evangélica nos meios televisivos com a publicação do livro
“Evangélicos e Mídia no Brasil”, ano 2002.
3
Pastor
Fé para hoje 1962 -- Adventista
Alcides
Campolongo
Café com Deus Década de 60 TV Tupi Igreja Nova Vida McAlister
Início: Jesus - A esperança das
gerações
Final: Pare e Pense
1974 / depois entre
1980 – 1999
Início: Amazonas TV
local – Rede manchete,
Record / Final: TV
VINDE
Início: Presbiteriana.
Depois:
Interdenominacional
Caio Fábio
Encontro com Deus Década 60 Recife: TV Local Presbiteriana João Campos
Um pouco de Sol Década 60 SP: TV Local Batista Rubens Lopes
Reencontro 1975
1. em rede nacional – TV
rio /Bandeirantes
Batista
Nilson do
Amaral Fanini
Início:
Renascer –
Depois: Vitória em Cristo
1982
1999
1999
Rede nacional
Rede TV! (atualmente)
Assembléia de Deus Silas Malafaia
Movimento Pentecostal 1996 1998 Rede Manchete Assembléia de Deus Institucional
TABELA 1 – Programas Pioneiros na TV Brasileira
Fonte: FONTELES,H.A. Programa show da fé: um retrato da construção midiática da imagem
religiosa evangélica.UNIP.São Paulo, 2007.
No final da década de 70 e início da década de 80, surge a Igreja Eletrônica7
Norte-Americana com seus tele-evangelistas, representada na tabela 2, abaixo:
Programa Ano Exibido Igreja Pastor
Alguém ama você 1978 TV Tupi / SBT ----- Rex Humbard
Clube 700 Final de 70
volta 95/96
TV Record /
Manchete
------ Pat Robertson
Praise the Lord 1988 TV Record /
bandeirantes
Assembléia de Deus Jimmy Swarggart
TABELA 2 – Programas da igreja eletrônica exibidos no país.
FONTE: FONSECA, Evangélicos e mídia no Brasil. Bragança Paulista: Editora Universitária São
Francisco: Curitiba: Faculdade São Boaventura, 2003.
Dentre tais tele-evangelistas, o de maior destaque foi Jimmy Swarggart.
Parceiro da Assembléia de Deus brasileira, auxiliou financeiramente a editora da
instituição - Casa Publicadora da Assembléia de Deus (CPAD). Devido a problemas
7 Intenso e crescente uso dos meios eletrônicos, especialmente a TV, por lideranças religiosas, quase sempre
fortemente personalizadas e relativamente autônomas em relação às denominações cristãs convencionais. (Assmann,
1986,p.16).
4
pessoais8, seu programa saiu do ar tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos,
retornando períodos depois; porém, já sem grande credibilidade.
Nesta mesma época, meados dos anos 80, a sociedade observa o crescimento
da chamada “comunidade pentecostal e neopentecostal”; assim, tanto aqueles
primeiros programas quanto os novos procuram atingir não só o público evangélico,
mas também as demais audiências da população brasileira. Segundo Fonteles (2007),
esta audiência fiel (os evangélicos) foi patrocinadora da expansão da programação
ao sustentá-la com dízimos e ofertas, viabilizando não só a permanência, mas
também a presença midiática de tais programas na grade das emissoras; em um
segundo momento, mais estrutural e com o domínio das técnicas televisas, tal
expansão objetivava ultrapassar os muros denominacionais de cada igreja.
Ainda de acordo com Fonteles (2007), os grandes mantenedores dos
primeiros programas evangélicos foram a própria massa evangélica de cada
denominação que apresentava um programa no ar, que eram e continuam sendo as
maiores audiências destes programas. São os telespectadores-fiéis os principais
consumidores desta relação mídia-igreja-produtos.
Esta constante presença na mídia impulsionou a expansão da própria
programação evangélica, que foi em busca de novos telespectadores visando ao
aumento de consumidores, os quais, na lógica da cultura de massas explicada por
Morin (1997), se tornariam novos mantenedores dos programas, garantindo uma vez
mais a presença e constante expansão da programação – o que futuramente seria
feito em canais próprios de televisão.
Este processo, pelo qual os empreendimentos religiosos se viabilizaram e
ainda se viabilizam na TV, ocorreu de forma análoga na história da TV brasileira,
que foi considerada, em seu início, como um meio elitizado – já que a produção de
aparelhos era bastante dispendiosa e isso inviabilizava a aquisição de uma TV;
assim, somente alguns podiam ter acesso a tal aparelho. A publicidade, por
desconfiar deste novo meio, preferia manter seus investimentos nos meios
tradicionais - rádio e jornal. De acordo com Ortiz (2001), para que este meio televiso
se viabilizasse, a população era convidada e convencida a manter o novo suporte.
8 O referido pastor se envolveu em um escândalo extraconjugal manchando sua imagem de líder Cristão.
5
Para isso, um discurso político-pedagógico de convencimento foi construído, com a
finalidade de sustentar o projeto de modernização do país – representado pela TV:
[...] Os anúncios da época retratavam bem esta ambigüidade entre o mero existir
e o se realizar. Eles diziam num tom interpelativo: Você quer ou não quer a
televisão? [...] Agora é a sua vez – qual será a sua contribuição para sustentar
tão grandioso empreendimento? Do seu apoio dependerá o progresso, em nossa
terra, desta maravilha da ciência eletrônica. Bater palmas e aclamar
admiravelmente é louvável, mas não basta seu apoio só será efetivo quando você
adquirir um televisor. (ORTIZ, 2001, p.60)
Observe que este discurso é muito parecido ao de muitos líderes religiosos,
na tentativa de convencer seus adeptos a comprar o projeto da liderança pastoral de
implantação de um programa de TV ou uma concessão de canal de TV9. Tal discurso
pode ser percebido nos programas da RIT TV, da Igreja Internacional Graça de
Deus, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), da Renascer em Cristo –
quando da compra da torre de TV instalada na Av. Paulista em São Paulo, capital,
em 2006 –, da Rede Canção Nova – movimento carismático católico –, dentre
outros, na implantação de seus projetos midiáticos. Esta idéia é compartilhada por
Paulo Romeiro (2005) em seus estudos sobre o neopentecostalismo, nos quais
identifica a posse de programa de TV como um dos fatores do crescimento dessa
vertente religiosa:
Como a maioria das igrejas neopentecostais, a Igreja Internacional da
Graça de Deus preocupa-se quase exclusivamente com a evangelização
através da mídia. Os recursos são usados para construção de prédios,
aquisição de equipamentos, viagens e compra de horários em emissoras
de rádio e TV. (ROMEIRO, 2005, p.70)
3. Algumas transformações políticas, econômicas e tecnológicas determinantes
para a expansão das tele-igrejas.
3.1. Ambiência política e Indústria cultural
Segundo Fonteles (2003), o fenômeno das imagens religiosas, dos programas
e canais de TV evangélicos e de várias outras correntes religiosas que hoje
observamos na mídia, tem levantado questionamentos nos mais diferentes campos da
ciência. Afirma o autor, porém, que tal questão não pode ser entendida sem a
consideração de tal fato como parte de um processo político-cultural construído, o
9 Há uma amostragem da programação religiosa na cidade de São Paulo de todas as emissoras em Programa show da
fé: um retrato da construção midiática da imagem religiosa evangélica.UNIP. São Paulo, 2007.
6
qual favoreceu não só o nascimento e a consolidação da indústria do entretenimento,
mas também a própria mídia religiosa.
Os programas pioneiros das igrejas evangélicas surgiram em meados dos
anos 50 e 60, época de instauração da TV no país. Este processo fez parte de todo
um percurso que a indústria do entretenimento trilhou para consolidar-se como
ideário de modernização da sociedade brasileira.
Podemos apresentar a primeira ambiência política na qual a indústria cultural
começa a dar forma à suas ações entre os anos 30 e 50. Não afirmamos que antes
não existissem meios de comunicação, porém, eram ações isoladas, sem intenção de
consolidar um mercado consumidor - até porque não havia uma ordem social
competitiva (ORTIZ, 2001, p.17).
Após a revolução de 1930, há um redimensionamento do poder político. Uma
nova classe dominante surge do universo da industrialização e da urbanização do
país. O Estado Novo, através de um discurso de integração nacional, busca fomentar
uma nova realidade brasileira e uma idéia de nacionalidade, política esta que não
aconteceu em plano nacional, pois faltava ao governo Vargas um fator
importantíssimo, que se configurou apenas no regime militar a partir da década 60, e
que foi fundamental para a modernização e unificação do Estado Brasileiro política e
culturalmente. Esta ideologia política se expandiu e deu liberdade de produção,
difusão e circulação de programas e de idéias que estivessem coadunadas as do
projeto político militar.
O elemento que favoreceu essa integração do país, nos termos postos acima,
foi a implantação no Brasil do satélite Intelsat, sistema de rede que forneceu
condições para que a indústria cultural funcionasse de forma otimizada. Este
elemento técnico-integrador, que faltou nos anos 30 da era Vargas, veio realmente a
favorecer a integração do país política e economicamente. Neste período se dá um
boom na programação, que se nacionaliza e começa a padronizar suas produções
visando atender não mais um mercado regional, mas um mercado nacional.
O que caracteriza a situação cultural nos anos 60 e 70 é o volume e a
dimensão do mercado de bens culturais. [...] Durante o período que estamos
considerando, ocorre uma formidável expansão, em nível de produção, de
distribuição e de consumo da cultura; é nesta fase que se consolidam os
grandes conglomerados que controlam os meios de comunicação e da
cultura popular de massa. (ORTIZ, 200, p.121)
7
No período do regime militar começa a haver pequenas incursões de programas
das organizações religiosas através da compra de espaços em emissoras de TV. É
interessante observar que, enquanto as emissoras mais tradicionais da época
caminhavam para a nacionalização de suas produções, as instituições religiosas
começam a dar seus primeiros passos em campos regionais, cujo alcance limitava-se a
sua cidade ou seu estado de origem, atingindo assim o campo religioso da própria Igreja
e de algumas de suas congêneres. Suas produções ocupavam, como na sua maioria hoje
ainda, os horários mais baratos das manhãs de sábados em emissoras locais e menos
importantes. Assim, começava a ocupação nos espaços da mídia em horários destinados
a este tipo de programação, o que, para a emissora, representava uma receita garantida:
sem gastos com produção, pessoal e aparelhagem, tendo apenas o trabalho de emitir a
imagem. Segundo Ortiz (2001, p. 60), a situação é análoga aos primeiros programas de
TV, nos quais as agências de publicidades faziam todo o trabalho televisivo:
escreviam, produziam, contratavam elenco e etc.
Se pensarmos em termos ideológicos, os projetos das organizações
religiosas circunscreveram internamente o ideário do regime, mantendo e cumprindo os
compromissos adquiridos junto ao Estado Militar. A censura tinha por objetivo
organizar as ações da cultura, despolitizando todo o conteúdo das programações com o
objetivo de fixar a ideologia do poder em voga, e também formar um tipo de ideal de
cidadão útil ao tão conclamado progresso. Se a censura era moralista, a religião também
o era, o que não provocava nenhum mal estar neste sentido. O discurso dos programas
religiosos vinha enaltecer o espírito cívico, da ordem, da família e do serviço religioso,
necessário para formar uma característica comportamental neste indivíduo: a
passividade. Este tipo de comportamento é um dos requisitos exigidos por aqueles que
querem participar de um espetáculo. Neste sentido, as ações da nascente mídia
evangélica atendiam aos critérios político-ideológicos do regime, e também às
exigências da indústria cultural, que preparava um campo promissor de futuros
consumidores.
A mídia evangélica, atendendo aos requisitos acima citados, tinha liberdade para
crescer, e como seu campo de ação era regional ou circunscrito à própria denominação,
começou a desenvolver uma estrutura própria para atender esta demanda. Nascia, neste
8
período, as editoras religiosas, que produziam e circulavam mídias para atender a
demanda dos fiéis por livros de orientação e de meditação, por material de apoio para as
escolas dominicais10, cultos domésticos e de células11, Bíblias e revistas internas, Lp’s
dos grupos evangélicos e de cantores internos. Era crescente a participação em rádios, e
iniciava-se o desejo de produzir programas para a televisão.
Como afirmado anteriormente, embora um pouco a reboque da realidade
vigente, engatinhavam nesse momento alguns projetos midiáticos de determinados
grupos religiosos. Da mesma forma como aconteceu com os grupos empresariais
seculares, as produções evangélicas tiveram que incorporar “o espírito da ética
protestante e das virtudes burguesas” em suas ações, modernizando sua visão,
atuação e direção.
Já no final dos anos 70 e início dos anos 80, a presença religiosa na mídia
começa a se fortalecer, inspirada nos modelos importados dos EUA, no qual a
presença dos tele-evangelistas e suas ideologias influenciaram diretamente as
produções, trazendo “modernidade” à imagem e às ações das organizações
evangélicas frente às outras instituições tradicionais e de outros credos. Para a
indústria cultural o que vale é o novo, o rápido, o espetáculo e o sucesso, reforçando
todo um sistema e uma ordem social que engendram este processo.
Com o fim do regime militar, porém, o ambiente de passividade imposto pela
censura, a ordem econômica estabelecida, o sistema de rede implementado e o
processo de urbanização e industrialização do país consolidado, abriram alas para que
a indústria da cultura de massa dominasse definitivamente o cenário, já que esta
necessitava de um ambiente mais “democrático” para que suas ações expansionistas
de mercado se perpetuassem.
O ambiente político presente no regime militar, que vigorava na forma de leis
e suas concessões, mesmo após o fim de tal governo, favorecia o apadrinhamento
dos que tinham ligação com o poder. Como bem explicou Fonseca (2003), a
concessão de rádio e televisão era uma das armas mais valiosas e poderosas, e era
10 EBD – sigla Escola Bíblica Dominical – espaço para estudo e leitura da Bíblia aos domingos que se realizam antes ou
depois do culto. Presente em quase todas as denominações evangélica, é instrumento para fortalecimento e fixação dos
conteúdos, ensinamentos e teologia da Bíblia.
11 Grupos de multiplicação que se reúnem nas casas de membros das igrejas nas quais convidam vizinhos, parentes e amigos
para estudos bíblicos. Muitos desses grupos ao atingirem um certo número de participantes devem se subdividir, multiplicando
a participação.(mais informações vide nota 65)
9
uma atribuição exclusiva do poder executivo. Esta política, que vigorava desde
1962, esteve presente nos governos de Sarney, Collor e FHC.
Uma evidência deste esquema, nas palavras do ex-ministro das comunicações,
Antonio Carlos Magalhães, ao jornal Folha de São Paulo: Em igualdade de condições
(técnica e financeira), eu jamais deixo de dar concessões a alguém que apóia o
governo. (Folha de S.Paulo, 6/12/1987)
Nesta mesma época, pós-aprovação da Constituição de 1988, a participação
política dos candidatos evangélicos (e católicos) é no mínimo surpreendente,
revelando seu poder político de barganha, pois [...] Foram os católicos e
evangélicos que surgiram como novidade nesse processo, sendo vitoriosos em
várias concessões. (FONSECA, 2003, p. 70)
Após a aprovação da Constituição 1988, ficou estabelecido um período para a
regulamentação de várias agências do governo na ordenação da saúde, da energia e
também da comunicação. A partir de 1997, estas regras modificam-se um pouco com
a criação da Anatel, uma nova agência regulamentadora que estabelece regras nas
quais os candidatos à concessão de rádio e televisão devem adequar-se a um
esquema de concorrência pública, em que o candidato deveria submeter sua proposta
a uma avaliação técnica e financeira que passaria pela avaliação de burocratas
quanto à sua aptidão ou não, e quanto às condições de se obter uma concessão, o
que, nas palavras de Fonseca, configura-se como uma pré-qualificação, onde
novamente os favores políticos, lobby’s e contatos pessoais seriam os caminhos a
serem utilizados a fim de se barganhar por uma concessão de rádio e TV.
Porém, mesmo com a determinação da Anatel, o poder executivo da época
(1994-2001) requer para si o poder de decidir sobre a concessão pública de rádio e TV,
o que, devido ao novo esquema articulado, facilitou a aquisição de concessões por parte
das organizações religiosas.
Muitas organizações religiosas tiraram proveito dessa nova orientação, na
qual, quando da veiculação de uma programação educativa na emissora concedida,
seria permitido também à concedente “vender seu peixe”. Esta idéia foi aproveitada
por alguns movimentos religiosos, tais como Igreja Renascer, Movimento da LBV -
liderada por Paiva Netto -, dentre outros.
10
Nesse esquema, uma concessão não necessitaria de aprovação do congresso, mas
apenas de uma avaliação técnica por parte da Anatel. Como tal agência estava e ainda
está ligada diretamente ao poder executivo em vigor, tal avaliação certamente sofreria
pressões por parte dos lobistas de plantão, parte do jogo de interesses que pode ser
vislumbrado no tamanho do poder de manipulação do poder executivo no
favorecimento de seus amigos, pares e apoiadores com os privilégios da lei. Nas
palavras do deputado do PT, Walter Pinheiro, a concessão discricionária das emissoras
educativas transforma novamente a concessão de televisão em balcão de negócios
políticos, como foi praxe no governo Sarney. (LIMA, 2001, p.110)
Exemplo expressivo desta realidade pode ser observado na forma como o
deputado Arolde de Oliveira, líder evangélico na câmara, proprietário da rádio 93
FM (que se chamava FM El Shaddai até 1997) no Rio de Janeiro, e cuja empresa
MK Publicitá Gravadora é responsável pelo programa “Conexão Gospel”, veiculado
em são Paulo pela TV Gazeta aos domingos, e do portal Elnet, adquiriu uma
concessão. Este soube utilizar-se do prestígio político que tinha para ganhar a
concessão de uma emissora de televisão, quando obteve ainda mais prestígio
político. (FONSECA, 2003, p.221).
Para Arolde de Oliveira, cuja empresa MK Publicitá12 é referência de
empreendimento cultural, a mídia é percebida como instrumento, não só de
propagação do evangelho, mas também de vendas: [...] Nós queremos liberdade para
divulgar nossas idéias, para ir à praça pública, para ter rádio e televisão. (FONSECA, 2003, p.
221)
Somente a utilização do apoio político não seria suficiente para favorecer a
continuidade e o crescimento da programação evangélica na TV. Um segundo fator,
o econômico, somado a um terceiro, o uso da tecnologia, otimizaria este processo,
exigido pela indústria cultural de massa.
3.2. Economia e Tecnologia
12 Fonte: de acordo com o site wikipedia.com.br. As principais gravadoras evangélicas no Brasil são "MK Music"
(que detém 70% do mercado fonográfico gospel e 30% do mercado fonográfico brasileiro), "Line Records", "Gospel
Records", "Zekap" e a gravadora "Novo Tempo" (Pertence a Rede de Rádio Novo Tempo e a "TV Novo Tempo" que
mantém primeiro lugar entre os canais da tecsat), e muitas outras. Existe também a gravadora Diante do Trono que
atualmente é responsável pelos trabalhos do Ministério de Louvor Diante do Trono como o trabalho solo de alguns de
seus integrantes como: André Valadão, Ana Paula Valadão e Nívea Soares. O ministério Intimidade da Igreja Batista
da Lagoinha também faz parte desta gravadora.
11
Com uma grande expressão em termos de números de fiéis13, cada igreja, para
iniciar-se no universo da mídia, recorreu primeiramente ao seu próprio rebanho, logo
aos rebanhos das demais denominações e finalmente a todos os chamados a ouvir as
“boas novas”, refletindo a idéia de Fonseca (2003) de que a visibilidade da igreja
evidencia o aumento e a pujança deste segmento.
Com o crescimento do rebanho, a atividade midiática da igreja não poderia
ficar restrita ao seu ambiente doméstico, e principalmente, não poderia continuar a
veicular um programa visualmente precário. Os padrões mercadológicos da indústria
cultural foram reestabelecidos e, para que estes padrões fossem atendidos, princípios
e regras de racionalidade econômica tiveram que ser adotados, favorecendo o
crescimento do ambiente midiático das igrejas através da profissionalização.
Observamos que, à medida que o empreendimento começa a crescer, para
viabilizá-lo faz-se necessário estruturá-lo. Pensamento profundamente entendido na
condução dos atuais projetos midiáticos de algumas organizações evangélicas,
exemplificadas nas palavras do líder da Associação Vitória em Cristo, Pastor Silas
Malafaia. No programa exibido na manhã de sábado, no dia 03/02/2007 na Rede TV,
este, ao pedir ofertas para manter o programa no ar diz: Quem não está estruturado não
vai a lugar nenhum. Este pensamento é traduzido em ações planejadas que visam trazer
eficiência e resultado aos empreendimentos, os quais, no caso da Casa Publicadora das
Assembléias de Deus - CPAD -, foi implantado por um profissional da área de
marketing e administração, ex-gerente de marketing das Casas Pernambucanas, cujos
princípios aprendidos na Fundação Getúlio Vargas trouxeram resultados [...] eficiência e
velocidade, elementos fundamentais para toda e qualquer instituição, religiosa ou não, que
pretenda sobreviver numa sociedade que tem na mídia o principal meio de reprodução e
transmissão e bens simbólicos. (FONSECA, 2003, p. 278).
Seguindo este raciocínio, diz Fonseca que a produção religiosa passa a ser
dominada pela lógica capitalista, com a adoção de mecanismos e instrumentos
peculiares a este meio, tal como o marketing, em busca de fatias de mercado, o que
revela que a atividade religiosa é um mercado no qual cada segmento religioso
13 Em 2000 os evangélicos representavam 15% da população, segundo dados do Serviço de Evangelização para
América Latina (SEPAL) e IBGE.
12
enfrenta uma concorrência não apenas interna, mas rivaliza com outras correntes
religiosas:
Projetos sem uma sólida base administrativa e com uma clara visão publicitária
não possuem condições de se estabelecer e nem de se perpetuar na selva das
comunicações. (FONSECA, 2003, p. 279)
Por este mesmo processo passaram todos os conglomerados de sucesso
existente no mercado brasileiro, segundo Ortiz (2001, p.137), profissionalizando
seus setores, departamentos e entregando nas mãos de profissionais o destino e
direção das empresas. Caso recente aconteceu na Rede Record que, para firmar-se
como indústria cultural, resolveu afastar da direção seus pastores e colocar
profissionais do mercado em substituição.
Para o desenvolvimento desta economia de mercado, foram necessários dois
fatores que se complementam: a separação da empresa da economia doméstica e a
criação de uma contabilidade racional.
Com a separação da economia doméstica, ou seja, separando a administração do
ambiente midiático do cunho sacerdotal por profissionais do mercado, criou-se uma
mentalidade empresarial marcada por princípios capitalistas, criando-se uma série de
estratégias de marketing para novos produtos e diversos suportes diferentes que cercam
o consumidor com a venda de CD’s, DVD’s, livros, objetos de uso religioso. Este
processo de produção cultural religiosa nos revela o poder de consumo da indústria
cultural, que adentra todos os meios e instituições que decidem utilizar-se de suas
práticas.
Com o uso racional dos recursos econômicos disponíveis, a mídia evangélica
– fazendo uso do terceiro elemento, a técnica, e de todos os elementos que a
acompanham na projeção das imagens, como o som, a luz e o brilho, próprios do
meio – cria de forma eficaz uma maneira de convocar esses fiéis a serem mais que
telespectadores, tornando-os, assim, telespectadores de primeira classe:
[...] ao invés de ser apenas um “doador” a pessoa que contribui acaba
recebendo nomes especiais. Ela pode ser um amigo ou parceiro do Pare e
Pense, um Gideão da renascer, um guerreiro do ministério Palavra da Fé, um
mantenedor da rede Boas Novas ou um associado da Igreja Internacional da
Graça.[...] você pode ser um sócio de Jesus na Associação do Senhor Jesus da
igreja católica carismática. (FONSECA, 2003, p.146).
13
Pelo baixo nível de contribuição por meio de doações e devido aos altos
custos na produção de um programa14, parece que este tipo de esquema se faz
necessário, assim como se faz necessária a criação de telespectadores especiais,
“com carteirinhas”, oferecendo vantagens nas compras de produtos (alusão
semelhante aos portadores do carnê de Silvio Santos) com o objetivo de angariar
fundos para dar fôlego aos projetos televisivos das igrejas evangélicas e de outros
credos também. Tal estratégia, além de gerar lucros, fideliza o telespectador,
possibilitando a manutenção do programa no ar.
Certamente, para que tudo pareça o mais real possível, e para que possibilite
um vínculo maior do fiél-telespectador com os programas, as imagens devem ser
esteticamente encantadoras. Isto somente foi e é possível graças ao domínio da
técnica, ou seja, pelo uso da tecnologia. O uso desta aparelhagem moderna também
contribuiu para que os programas de TV evangélicos tivessem uma maior sobrevida.
Um exemplo deste uso importante da técnica na melhoria de um programa
evangélico é exemplificado noo programa “Pare e Pense”, do pastor Caio Fábio15:
[...] com uma hora e meia, o programa passou a merecer um tratamento mais refinado, por
isso foi estabelecido um contrato com uma produtora de cinema (SIR), que implicou uma
expressiva melhoria técnica e cenográfica. (FONSECA, 2003, p. 242)
4. Considerações Finais
Nossas hipóteses se confirmam ao percebermos que a união desses três
elementos - política, economia e tecnologia - formaram o tripé que possibilitou aos
meios de comunicação uma força de penetração nunca antes percebida. Seu início deuse
de forma incipiente, ao largo das questões políticas - um espaço necessário, que
permitiu sua estruturação. Fortaleceu-se com o aparato tecnológico, econômico e
ideológico, propiciado pelo regime militar que favoreceu a solidificação da indústria
cultural, integrando o país política e mercadologicamente. Por conseguinte, esta mesma
14 Fundação Renascer (600 mil, incluindo os investimentos em rádio e TV UHF), Igreja Universal – RJ (250 mil, com
aluguel de horário na CNT); R.RSoares (250 mil), Valnice Milhomes (80 mil), Igreja Assembléia de Deus –
Movimento Pentecostal (55 mil), Silas Malafaia – Prog.Vitória em Cristo (50 mil); Caio Fábio – Prog. Pare e Pense
(30 mil, programa à época de 15 minutos)
15 Caio Fabio foi Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. Fundador da AEVB (Associação Evangélica Brasileira), e
também do projeto social - Fábrica da Esperança (na comunidade do Acari no RJ). Após envolver-se em vários
escândalos pessoais e políticos (Dossiê Cayman- contra membros do partido PSDB e Governo FHC) vendeu seu
canal de TV – VINDE TV e seu ministério se findou. Hoje continua escrevendo literatura evangélica e atualmente é
Pastor da Igreja Caminho da Graça em Brasília.
14
superestrutura permitiu: a expansão dos programas religiosos na mídia, marcadamente
pela mídia evangélica, que soube estruturar-se e aproveitar-se desse ambiente político
que em muito influenciou a formação de cidadãos passivos e receptivos ao espetáculo; a
articulação política através do uso do lobby, favorecendo-se das leis e concessões de
canais de TV; o desenvolvimento e planificação racional de uma estrutura capitalista, e
o uso e domínio de tecnologia na forma de aparelhagem, maquinário e computadores
para produção, transmissão e difusão. Estes elementos foram o combustível que
possibilitou a ascensão dos evangélicos16 e de outros grupos religiosos na mídia.
Acreditamos que, sem esses três fatores, talvez a quantidade de programas evangélicos
(ou religiosos como um todo) fosse mais restrita, oposta ao que vemos atualmente.
5. Referências bibliográficas
ASSMANN, H. A Igreja eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis:
Vozes, 1986.
FONSECA, A. B. Evangélicos e mídia no Brasil. Bragança Paulista: Editora
Universitária São Francisco, 2003.
FONTELES, H. A. Programa show da fé: um retrato da construção midiática da
imagem religiosa evangélica. São Paulo, 2007.
LIMA, V. Mídia: teoria e política. São Paulo: Perseu Abramo, 2001.
MORIN, E. Cultura de Massa no século XX: neurose. Tradução de Maura Ribeiro
Sardinha 9. ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
ORTIZ, R. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2001.
ROMEIRO, P. Decepcionados com a graça: esperanças e frustrações no Brasil
neopentecostal. São Paulo: Mundo cristão, 2005.
WEBER, M. A Ética Protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira,
1947.
16 Há opções para todos os gostos: desde a primeira emissora evangélica de televisão, a Rede Record (1989), até a
primeira emissora evangélica em UHF, a TV Gospel (1996), passando pela primeira televisão evangélica a cabo, a
Vinde TV (1995). Definitivamente é um período de primogênitos, ávidos para se fazerem presentes no maior número
possível dos quase 90% de domicílios brasileiros que possuem uma televisão e nos quase 100% que têm rádio [...] No
norte do país foi fundada em 1993 a Rede Boas Novas, de propriedade da Assembléia de Deus [...] E em agosto de
2001 tiveram início, na [cidade de Dourados (MS), as transmissões da Rede Internacional de Televisão (RIT),
propriedade do campeão evangélico de aparições na TV aberta e primeiro a veicular programa no horário nobre,
missionário R.R Soares [...] (FONSECA, 2003, p. 11-12)


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